O viagra na adolescência
Ele se transformou em ícone. O comprimido azul em forma de losango que se tornou mundialmente famoso ao revolucionar a vida sexual masculina está entrando na adolescência. Mas não apenas por estar prestes a completar 15 anos: também pela perigosa e crescente popularidade entre homens jovens. Em uma década e meia, o Viagra, nome que virou sinônimo de medicamento para disfunção erétil, mudou comportamentos, impulsionou a corrida por novas drogas, teve patente quebrada no Brasil, tornou-se mais acessível e por isso mesmo experimentou uma explosão comercial.
Com o fenômeno que multiplicou por três as vendas desse tipo de substância desde 2010 chegaram os efeitos colaterais: os riscos da compra sem receita médica e do uso indiscriminado por pacientes cada vez mais jovens – inclusive por garotos na puberdade, iniciando as experiências sexuais, que por esse motivo podem ter o desempenho afetado por toda a vida. São eles que mais preocupam os especialistas.
Médicos relatam que é cada vez mais raro encontrar pacientes que cheguem ao consultório antes de ter experimentado a droga, vendida com facilidade em farmácias, sem receita e sem a prescrição da dosagem correta, apesar de ambas serem exigidas. O que os usuários ignoram é que o uso sem indicação tem riscos. O remédio gera efeitos colaterais, como dor de cabeça e dificuldade de digestão, tem contraindicações – não pode ser usado por pacientes que fazem tratamento de angina, por exemplo – e pode causar dependência psicológica.
Com os riscos muitas vezes subestimados, nunca se vendeu tanto remédio para disfunção erétil no país, fenômeno que coincide com o segundo ano de quebra da patente do Viagra. Dados do IMS Health, instituto internacional que audita vendas de medicamentos, mostram que até setembro foram vendidos quase 34 milhões de caixas de substâncias do tipo no Brasil. No mesmo período de 2010, foram 10,6 milhões. “Estamos chamando de uso recreacional: os jovens começaram a incorporar essa medicação à sua vida. Eles saem no fim de semana e tomam para melhorar o desempenho sexual, mas são pessoas que não necessitariam usar o medicamento. Isso causa uma dependência psicológica: ficam com medo de parar de tomar e não ter mais uma boa resposta”, explica Geraldo Eduardo Faria, chefe do Departamento de Sexualidade Humana da Sociedade Brasileira de Urologia.
Carlos*, empresário de 39 anos, sabia dos riscos e mesmo assim experimentou o remédio. Tinha apenas 24 anos e o Viagra havia acabado de chegar ao Brasil. Já naquela época, a farmácia não lhe exigiu receita. Apesar de decidir se arriscar com a automedicação, ele tinha medo que a substância fizesse mal ao coração. Temendo alguma doença grave, parou de tomar o medicamento três anos depois da primeira dose.
Há três anos, o comprimido voltou à sua vida. Ele ganhou uma caixa de presente de um amigo. O medicamento era falsificado e Carlos se submeteu ao risco de ingerir dosagem errada e sofrer alguma complicação. “Distribuí parte para conhecidos e usei o resto”, confessa. Com a segunda experiência veio o medo do vício, porque via um colega nessa situação. “Ele não faz nada sem tomar o remédio. Acho que nem sabe mais se ‘funciona’ sem isso.” Mesmo com toda a incerteza, o empresário nunca procurou um médico.
Mas o que merece maior atenção dos profissionais de saúde é o uso desse tipo de droga por adolescentes no início da vida sexual, como Bruno*, de 18. Após um percalço em uma das relações, o rapaz decidiu que na vez seguinte tomaria o remédio. Mesmo sem apresentar nenhuma doença que impedisse o ato sexual, ele só tentou novamente após ingerir o Viagra. Sentiu o que não queria: o efeito prolongado do remédio, indicado para uma classe específica de homens com problemas de ereção – que necessitam de maior tempo de resposta do produto –, e não para um jovem sem doença aparente. “O coração também acelerou muito.”
Nos consultórios, poucos pacientes, de qualquer faixa etária, chegam para procurar orientação antes de experimentar substância do tipo. Nas farmácias, ela é vendida livremente, apesar de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária ser taxativa: é um medicamento de tarja vermelha, que só pode ser vendido com receita. “É muito raro receber um paciente ‘virgem’ de tratamento. Geralmente já tomaram algum remédio e nos procuram porque ficam com medo de algum problema sério”, afirma Geraldo Faria, da Sociedade Brasileira de Urologia.
PESQUISA
Carmita Abdo, psiquiatra, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex), chefiou em 2008, quando o Viagra fez 10 anos, a pesquisa Mosaico Brasil, que avaliou a sexualidade do brasileiro. O estudo identificou na época que 19% dos homens tomavam os mais diversos medicamentos para a disfunção. Agora, acredita, o percentual é muito maior. “Com a quebra da patente ficou mais acessível, o custo diminuiu e surgiram muitos similares”, afirmou.
Os que mais usam continuam sendo aqueles com idade superior a 50 anos, mas, segundo Carmita, o medicamento caiu, sim, no gosto dos adolescentes. “É um sinal de alerta. Indica um garoto que não tem autoconfiança suficiente na sua capacidade para a atividade sexual. Pode ser um jovem que está fazendo uso de bebida alcoólica em excesso e para ter bom desempenho faz uso do medicamento, ou uma pessoa que usa drogas. O problema é que são adolescentes que precisam, no mínimo, de uma orientação e muitas vezes deveriam receber tratamento para o uso de álcool, drogas ou atenção psicológica.” (Com Thiago Lemos e Tiago de Holanda)
(*) Os nomes de personagens desta reportagem são fictícios